Invisível | Parte 5

19:09

Nota: FINALMENTE! Primeiro diálogo desses dois... Espero que gostem! Resolvi trazer mais uma sugestão de música: Someone to Stay do Vancouver Sleep Clinic. Aproveitem e comentem!

Vislumbre
"- Ai meu Deus! - ela exclama - Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus! - ela repete pra si mesma com os olhos apertados e a cabeça virada para o outro lado.
Permaneço em silêncio, primeiro porque não desejo assustá-la, e segundo, porque não sei mesmo o que dizer. Espero pacientemente por alguns minutos, antes que a sua voz volte a inundar nosso canto silencioso.
- Hei - ela diz com os olhos fechados - Ainda está aí?  - sua voz não passa de um sussurro incerto.
Pondero a respeito de como e o que falar. Há tantos anos não converso em voz alta com ninguém, além de mim mesmo, e até esse hábito desvaneceu-se ao longo do tempo, e mantive meus pensamentos apenas no cativeiro da mente.
- Não tenha medo - não penso em nada melhor para dizer, mas ainda assim me surpreendo com a firmeza da minha voz.
Entretanto, a frase parece ter o efeito contrário na pequena garota a minha frente, pois ela aperta ainda mais suas pálpebras e noto que suas mãos pequenas estão fechadas em punhos, resisto ao impulso de tocá-la, pois sei que isso apenas pioraria as coisas.
- Por que? - ela pergunta, a voz mais forte e exigente agora .
- O que? - eu questiono confuso tentando ver melhor o seu rosto, que permanece virado para o outro lado.
- Eu estou vendo você. Por que eu estou vendo você? - ela pergunta com a voz dura.
- Você não está - eu respondo calmamente.
- O que? - e sua curiosidade vence, como eu imagino que faria, e ela abre seus olhos, se inclinando em minha direção ávida por respostas.
- Agora está - sorrio. Que estranho, há quanto tempo eu não sorria para alguém que pudesse me ver? Desisto de tentar me lembrar e concentro os olhos na garota a minha frente, que carrega agora uma expressão confusa e distante.
- Não entendo… - ela encara o chão.
- Eu não posso te dar todas as respostas agora... - digo sincero.
Ela levanta os olhos e inclina sua cabeça para o lado me analisando, seus olhos negros passeiam por todo o meu rosto meticulosamente, até que eu fique… corado. Sinto o calor se espalhando pelas minhas bochechas e orelhas e não consigo evitar um meio sorriso. Essa é uma sensação nova, ou no mínimo, muito bem esquecida e enterrada. Eu estava sendo visto, realmente visto. Meu coração acompanha minhas bochechas e é tomado por um fogo caloroso e confortável que faz com que eu me sinta tão… real. Mas como em uma batalha acirrada, nesse mesmo instante minha mente afugenta o crepitar da fogueira que acabara de nascer, me trazendo de volta a realidade.
Abaixo os olhos envergonhados e sussurro - Me desculpe.
- Pelo quê? - ela se aproxima cautelosamente. Sua respiração quente me envolve.
- Por fazer com que você tentasse me ver… - eu murmuro. Não era justo, envolvê-la nessa situação que nem mesmo eu entendia, arrastá-la para um mundo tão confuso. Era tão ruim quanto o que meus pais um dia fizeram comigo e com Ariana.
- Foi você, né… O poema, a tela, o café - um sorriso se insinua em seus lábios na última palavra.
- Sim - eu respondo me permitindo admirá-la mais de perto. Ela estava linda hoje, seu cabelo preto estava adornado por uma faixa vermelha, o que combinava perfeitamente com sua pele rosada. Me aproximo com cautela e ela não se move, parece perdida em pensamentos.
- Por que? - ela pergunta de novo, seu hálito quente a poucos centímetros de mim.
- Eu não sei, honestamente, eu fiz essas tentativas de me aproximar sem saber de fato até aonde isso iria… - tento formular uma explicação que torne a situação menos bizarra e assustadora para ela, mas sou interrompido.
- Não - ela balança a cabeça de leve, seus cabelos espalham-se graciosamente ao redor do seu rosto pequeno e delicado - Por que eu? Por que queria que eu visse você? - sua voz agora é tranquila.
- Porque... - minha mente voa com a pergunta, uma enxurrada de lembranças, seria a hora de dizer? Mas antes que eu fale qualquer coisa, sou parado pela expressão assustada que surge em seu rosto.
- O que foi? - eu pergunto preocupado estendendo minha mão em sua direção.
- Você está... está desaparecendo de novo - ela constata com a voz aturdida.
- Ah - eu suspiro - Eu imaginei que isso seria temporário - afirmo desanimado, deixando a mão cair em meu colo.
- O que eu faço? - pergunta em um sobressalto.
- Acho que não há nada que possa fazer - eu sussurro.
- Mas e agora? É isso? - ela questiona, seus olhos escuros desafiadores.
- Eu vou voltar - afirmo segurando seu olhar pelos últimos segundos que me restam.
- Eu vou esperar - ela pisca e me deixa ir de uma vez por todas.
Depois que sumo de vez, sinto um vazio me atingir, célula por célula, me corroendo por dentro. A garota de cabelos pretos continua aqui, encarando o lugar onde eu estou, mesmo que seus olhos não foquem em mais nada. Momentos depois e após um longo suspiro, ela se levanta com a tela entre os dedos e vai até a sua mesa.
Eu permaneço sentado com a mente conturbada. Não sei qual é o próximo passo. Não sei o que posso fazer para que ela volte a me ver. Sinto que há tão pouco de mim a ser mostrado. Ao menos o eu de agora. O eu de antes tinha mais histórias para contar, mais cores, mais palavras. Desejo por um minuto que ela o conhecesse, o antigo Josh.
Uma vozinha no fundo da minha mente sussurra despretenciosa “Então o apresente a ela”. Suspiro. Será que seria possível? Bem, só havia uma forma de descobrir. Em um impulso, levanto-me do chão, agarro um pedaço de papel e escrevo ali um endereço. Caminho impetuoso até a sua mesa e paro a poucos centímetros dela.
- Pode me ouvir? - sussurro. Ela se sobressalta e quase deixa as coisas que estava guardando caírem no chão.
- Não faça isso! - ela me adverte com uma careta - Quase me mata do coração!  
Rio silenciosamente da sua expressão assustada.
- Estenda a mão - eu digo ainda sorrindo.
Ela olha para os dois lados, e assim que se certifica que não há ninguém olhando em sua direção, levanta timidamente a mão direta. Eu pouso ali o papel amassado e nossa pele se encontra por alguns segundos. Fico maravilhado com a sensação de sentir alguém novamente, o calor, a suavidade… Nesses poucos segundos, agradeço que ela não possa me ver, pois não sou capaz de disfarçar a expressão atônita que toma conta do meu rosto. Ela fecha as mãos ao redor do papel, acena silenciosamente e se vai.
Eu a encaro ir, as lembranças de sua voz e do seu breve toque já impregnando completamente os meus pensamentos. Desejo que o amanhã chegue logo, e essa é a primeira vez em anos que eu desejo algo assim."

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