Invisível | Parte 6

14:57


Vestígio
"Balanço as pernas inquieto. Meus olhos  no relógio velho que pende precariamente na parede. A mesa a minha frente exala o cheiro de álcool gel. A moça acabou de limpar, vendo claramente que não havia ninguém sentado ali.
A cada vez que a porta se abre e o som suave dos sinos retine no ambiente, me sobressalto e fixo meus olhos a frente, mas até agora, nenhum cliente a entrar ali usava roupas coloridas ou caminhava com passos graciosos.
Vinte minutos depois, quando eu estava considerando seriamente ir embora, ela entra apressada. Sorrio.
Lembro-me de ter colocado no papel a mesa onde costumava me sentar quando vinha aqui, mas como em um passe de mágica, ela parece me ver, e se encaminha confiante até o nosso lugar.
- Não sei se um lugar público é exatamente ideal para conversarmos - ela diz olhando em volta. O lugar não estava cheio, mas haviam algumas pessoas apinhadas no balcão um pouco afastado dali.
- É que esse lugar… - eu começo.
- É o lugar que mais gosta de frequentar? - ela pergunta encostando-se na cadeira azul marinho parecendo repentinamente relaxada, como se perguntar algo sobre mim nos deixasse em território seguro.
- Não, o lugar que mais gosto de ir é a biblioteca - eu digo e ela levanta as sobrancelhas surpresa - Esse é o lugar em que eu costumava vir antes da… antes de tudo acontecer, há muitas lembranças aqui e é por isso que você está me vendo - eu explico colocando as mãos sob a mesa gelada.
Ela semicerra os olhos - Por incrível que pareça algo me dizia que eu iria entrar por aquela porta e te enxergar - confidencia.
- Você tem uma boa intuição - sorrio.
- Talvez… - ela sussurra - Sabe, eu tenho algo para te contar - ela olha pela janela subitamente nervosa, como se revelar algo sobre si não fosse mais tão confortável.
- O que? - eu me inclino para frente e coloco o queixo entre as mãos.
- Eu sou bailarina - ela começa e eu apenas assinto silenciosamente - E na primeira vez que fui até a biblioteca queria muito ler aquele livro, eu já estava procurando por ele há meses até que uma amiga me falou daquele lugar - ela suspira - Mas em todas as outras vezes… Eu não tinha nenhuma razão para ir até lá, eu nem mesmo sabia o que ler. Mas algo me levava até lá.
- O que? - pergunto fascinado.
- Não sei - ela balança a cabeça - Eu só… Desde criança, eu tenho isso de “coisas que foram feitas pra acontecer”. Eu sei que é bobagem, mas é mais fácil pra mim acreditar que algumas coisas simplesmente são pra ser, sabe? - ela me sonda com os olhos - Alguém sempre me chamava para tomar café lá perto, mudavam o horário do meu ensaio, eu até desci na estação próxima um dia porque estava distraída. Eu sei que é loucura, mas… Bem, o que dessa história não é loucura, não é mesmo? - ela sorri.
- Eu teria dificuldades tentando encontrar algo - admito balançando a  cabeça, um leve sorriso nos lábios.
- Então… E ai todas aquelas coisas começaram a acontecer, o café, o livro, a sensação de que alguém sempre estava por perto - ela volta a encarar a janela ao nosso lado - E minha curiosidade jamais me deixaria sair de lá sem descobrir o que estava acontecendo.
- Eu sei - digo envergonhado.
- Sabe? - ela inclina sua cabeça para o lado e me estuda com os olhos.
- Dá pra perceber que você é o tipo de pessoa que não desiste até desvendar um mistério - me explico timidamente.
Ela suspira, parece pensar um pouco e então diz - Quero te mostrar um lugar - seus olhos negros brilham contra o sol da manhã e ela se levanta, me estendendo a mão.
Nossa caminhada é apressada, como se tivéssemos pouco tempo, o que provavelmente é verdade. Ela anda um pouco a minha frente, e o vento sopra o seu perfume em minha direção, fecho os olhos por alguns instantes, e é como se tudo estivesse acontecendo novamente.
- No que está pensando? - ela pergunta diminuindo um pouco o passo.
- Em como a vida é surpreendente - eu coloco as mãos geladas e sujas de tintas nos bolsos e abro os olhos.
- Ela é? - suas íris negras parecem vasculhar a minha alma.
- Bastante - encaro meus pés e desvio meus olhos do seu olhar intenso - Pelo menos nesses últimos dias - confesso baixinho.
Depois de alguns minutos andando, ela para suavemente e aponta - Aqui, espera um pouco.
Com passos rápidos, vai até um portão vermelho descascado e habilidosamente remexe suas correntes enferrujadas. Uma vez que ele se abre estrondosamente, entra e faz sinal para que eu me junte a ela. O local é inicialmente escuro, e um corredor estreito se estende a frente, caminhamos por ele ouvindo apenas nossos ruidosos passos, até que mais uma porta preta é aberta, e de repente, nos encontramos em um lugar amplo e iluminado. É um palco e estamos em uma de suas entradas laterais.
A madeira é lustrada. As luzes amareladas inundam o local com maestria. As cortinas vermelhas balançam suavemente. As centenas de cadeiras pretas nos encaram vazias. É de tirar o fôlego.
- É onde ensaiamos, mas o pessoal não vai chegar por pelo menos uma hora - ela caminha graciosamente largando sua mochila sobre o piso plano e sentando-se com as pernas em borboleta.
Cuidadosamente eu me sento ao seu lado e olho ao redor.
- É incrível - minha voz é sonhadora e parece se perder em tanto espaço.
- E você nunca se acostuma - ela afirma olhando em volta.
- Não há razão para isso - eu dou de ombros - O costume faz a gente deixar de perceber a grandeza das coisas.
Ela me encara em silêncio como se tentasse me desvendar. Eu sustento seu olhar.
Segundos mais tarde, a bela garota a minha frente levanta-se e caminha calmamente pelo palco.
- Quero saber mais sobre você - ela afirma - E sobre toda essa loucura rolando.
- Eu vou te contar tudo - asseguro - Com uma condição.
- Qual? - ela para de andar e me lança um olhar curioso e desafiador.
- A cada resposta que receber, terá que dar outra em troca - eu bato os dedos nervosamente contra a madeira.
- Tudo bem - ela diz e volta a caminhar - Vamos começar pelo começo,  qual é o seu nome?
- Josh, e o seu? - eu prendo a respiração.

- Alicia - ela responde rapidamente e solto um suspiro que parecia estar preso por toda a vida. Então é ela, é realmente ela."

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