Invisível | Parte 10

09:19

Nota: Chegamos ao final! Pela primeira vez estou do outro lado das páginas, me sentindo triste por dar adeus aos personagens que criei. Espero muuuuito que gostem, eu mexi nesse final mil vezes, mas creio que ele é simples como eu queria que fosse, como é pra ser... e dessa vez, pela perspectiva de outro personagem, assim a gente tem uma chance de conhecer um pouco dela também. Agora chega de falar! Um beijo e até a próxima história <3

P.S. Pra fechar com chave de ouro, vou indicar músicas das duas bandas que me fizeram amar o indie, Wildfire do Seafret e Follow Your Fire do Kodaline.


Visível
"Saio da casa de Josh por volta da 00h, e o cheiro de tinta me acompanha, pois passamos o restante da nossa noite juntos em meio às telas. Ele me mostrou algumas das quais eu era a principal personagem, que iam de retratos minunciosos até pequenos detalhes como o café com chantilly nas minhas mãos. Fiquei tão atordoada quanto admirada.
Dentro do táxi, encosto minha testa no vidro frio e batuco os dedos contra o banco macio. Eu sempre fui curiosa, ávida por respostas, nunca desistia de algo até desvendá-lo por completo, os mistérios às vezes eram livros, às vezes pessoas. Mas claramente, nunca havia vivido uma situação tão maluca como essa, e consequentemente, nada nem ninguém me envolveu tanto quanto aquele garoto invisível. Rio alto. O motorista me encara como se eu fosse louca, ah, se ele soubesse que eu estava me comunicando há dias com alguém que só eu via.

A verdade é que todas as vezes que eu encontrava a minha resposta, ia embora, pois sentia que não havia mais nada pra mim ali, mas quando eu o vi pela primeira vez, soube que precisava ficar, eu só havia visto um olhar como aquele uma vez na vida, em uma aula de dança na garagem, quando uma luz lutava entre a escuridão para permanecer brilhando.

Chego em casa cansada tanto emocional quanto fisicamente, e depois de um banho frio para aliviar as dores musculares, visto meu pijama preferido e me jogo na cama, me reviro algumas vezes no colchão antes de me levantar para procurar a foto que estava tirando meu sono. Quando a encontro, sorrio abertamente. Era de uma feira da vizinhança, onde algumas famílias se juntaram para as lentes sempre atentas do meu pai. Eu estava de vestido laranja e sorria banguela para a câmera, os cabelos ainda mais escuros do que eu me lembrava, minha mãe acariciava minha cabeça com uma das mãos. Logo ali, as outras crianças se ajuntavam, mas uma delas chama a minha atenção. Ariana era bem mais velha que eu e tinha longos cabelos claros, ela era linda e ria divertida, já sua mãe, de cabelos castanhos, tinha um sorriso tímido. Atrás das duas, pequenos olhos azuis se insinuavam. Sorrio. Escondido, mas não invisível.


Na manhã seguinte encontro um Josh silencioso, com seu casaco preto e cachecol vermelho, me esperando na estação de metrô. Vamos juntos até a casa de sua mãe sem trocar muitas palavras, eu sempre gostei de apreciar as viagens de metrô, algo no barulho e na rapidez dos trilhos sempre me fascinou.


Ao chegar, percebo que Josh empalidece um pouco. Aperto sua mão gelada entre a minha e tento sorrir de modo reconfortante, mas estou tão nervosa quanto ele. Tá, talvez nem tanto.


- Ela nunca me viu, Alicia, nunca - ele sussurra ao nos aproximarmos da porta.

- Mas ela quer te ver, Josh, é só nisso que precisa pensar agora - eu digo de volta e tiro a foto guardada na minha mochila.


Josh a pega das minhas mãos com calma e fica olhando para ela por alguns instantes, seus dedos tocam a face sorridente de Ariana e sua respiração vacila ao notar a mãe, que segurava firmemente a mão de um garoto escondido. Então respira fundo e me diz:


- Vamos? - sua voz é um misto de emoção e certeza.


- Vamos - coloco o máximo de firmeza na voz - Pronto? - pergunto entrelaçando meus dedos nos dele.


- Não - ele sorri.


Bato a campainha e prendo a respiração imediatamente. Alguns longos segundos se passam antes que a porta se abra.


A nossa frente, a porta se abre com um rangido, e a mãe de Josh se materializa a nossa frente. A primeira coisa em que consigo pensar é que de perto ela não se parece em nada com Josh e Ariana, seus cabelos castanhos escuros e seus olhos cor de mel emolduram uma expressão desconfiada e confusa ao me olhar… até que seus olhos se desviam para a figura silenciosa ao meu lado e parecem ainda mais perdidos. Meu coração para por alguns segundos, até que subitamente, seus olhos se iluminam, e eu solto a respiração aliviada. Com movimentos que eu mal consigo acompanhar, ela puxa Josh em um abraço apertado e eu me afasto um pouco para dar-lhes espaço.


- Josh - ela diz com o rosto enterrado em seus ombros - Eu achei que jamais veria você novamente - ela soluça.


- Eu também, mãe, eu também - ele diz sorrindo suavemente e olhando pra mim.


Assim que ela o larga, seus olhos voltam-se para mim e Josh se apressa em dizer - Essa é a Alicia, mãe, aquela Alicia que… - ele não termina a frase, porque meu nome parece deixá-la mais uma vez sem palavras, e ela apenas agarra uma das minhas mãos, agradecendo sem parar. Eu digo a ela que não sabia o bem que havia feito, e que meu pai foi quem realmente os ajudou, mas isso não diminui seus agradecimentos.


Minutos depois, entramos em sua casa branca cheia de margaridas e sentamo-nos em um sofá cor de uva, eu e Josh lado a lado e ela em nossa frente. Eu sinto aquele famoso desconforto de estar pela primeira vez na casa de um desconhecido, e o silêncio permanente não ajuda em nada.


- Mãe… - ele começa, mas é interrompido por um dedo no ar.


- Eu ainda estou me acostumando a ideia de que você está realmente aqui - ela diz intensa.


- Eu estou - ele sorri - E não vou embora, mas você precisa me ouvir.


- Tudo bem - ela diz e estreita os olhos em nossa direção, como se tivesse medo do que o filho tem a dizer.


- Mãe, eu passei todo esse tempo longe e eu só conseguia pensar em como você tinha me abandonado um dia, mas verdade é que você nos protegeu tanto quanto pôde, e quando saímos daquela casa, e eu achei que tudo fosse mudar, não percebi que você estava em cacos e eu te abandonei... Então me perdoe, mas me promete também que não vamos mais fugir um do outro e do que vivemos, e que nunca mais vamos deixar a culpa ser a única coisa que nos une. Ainda dá tempo de ver aquele pé de laranja crescer, mãe. - Ele suspira, parecendo ter ensaiado cada palavra, e não duvido que ele o tenha feito.


Ainda assim o encaro atônita sem acreditar nas suas palavras, fico admirada e ao mesmo tempo… orgulhosa. Sorrio. Parece bobo, pois o conheço há tão pouco tempo, mas já consigo enxergar tanto de quem ele realmente é.


- Josh, eu tenho tentado reconstruir o que a culpa destruiu há anos, mas isso nunca seria completo sem você. Você sabe o quanto te procurei? Achei que tinha perdido vocês dois… Mas te ver aqui hoje me dá a certeza de que eu posso ser melhor, de que a vida pode ser melhor, porque essa é a nossa segunda chance… A nossa.


Josh sorri e se inclina sobre a mesa de centro para tocar a mão de sua mãe. Me sinto uma intrusa em um momento tão íntimo, mas não deixo de ficar feliz por eles, pois sinto que algo começa a se refazer, e mesmo que isso não vá acontecer de uma hora pra outra, vejo um início ali. Josh se afasta da mãe e volta a entrelaçar seus dedos nos meus, o que chama atenção dela.


- Bem e como vocês se encontraram? - ela parece curiosa e se ajeita na cadeira enxugando algumas lágrimas - Você foi atrás dela, Josh?


- Na verdade não - ele diz - Nós dois frequentamos a mesma biblioteca e… Bem, algumas coisas são pra ser, né, Alicia? - ele me encara e sorri relembrando uma das nossas conversas.


- Então vocês estão namorando? - ela pergunta interessada e eu começo a tossir convulsivamente, ao passo que Josh apenas gargalha.


- Nem mesmo namorando um garoto invisível é possível se livrar de situações assim, hein - ele diz entre risos pra mim.


- Quem diria… - eu falo após recuperar a compostura.


- Você nunca foi invisível, Josh - sua mãe abana o ar - Acho que ninguém nunca olhou pra alguém como Ariana olhava. O modo como vocês se protegiam era o que me dava forças pra continuar.


- Ariana era a luz dos nossos dias, mãe. - ele afirma sorrindo.


- É - ela suspira - Ela nos mudou pra sempre.


- Pra sempre - Josh concorda - Ver alguém de verdade é transformador - sua voz transforma-se em um sorriso pra mim.


Depois de tomarmos café na pequena mesa de madeira, finalmente descubro o nome da mãe de Josh, que é Olivia. Ela me pergunta sobre meus pais e minhas aulas de dança, e a conversa flui solta e leve, até que me assusto com o horário e me levanto para ir embora. Insisto para que Josh fique, mas ele quer me acompanhar, e sua mãe parece estranhamente feliz com isso.


- Acho que foi tudo bem, né? - Josh pergunta enquanto caminhamos de mãos dadas pelas ruas frias.


- Tirando aquele papo do namoro - eu aponto brincalhona.


- Ah é - ele ri nervoso - Ainda não decidimos isso, né? - seus olhos buscam os meus.


Rio um pouco - Ainda não, afinal, você nem conhece meus pais - dou ombros.


- É verdade… Acho que precisamos solucionar isso - ele diz sorrindo e eu reviro os olhos - Hei, pra onde estamos indo? - ele percebe o caminho de repente.


- Eu estou indo ensaiar, quer ir? - pergunto naturalmente.


- Hmmm - ele pondera - Vai me apresentar para os seus amigos?


- Você quer ser apresentado? - eu o encaro.


- Sim - ele afirma sério.


- Então sim - eu balanço a cabeça.


- Só preciso passar em um lugar antes - ele sorri brevemente e assume um tom misterioso que me mata de curiosidade, mas não por muito tempo.


Minutos depois de entrar em nossa biblioteca e me deixar esperando, Josh sai carregando dois livros sorridente.


- A moça da recepção me ofereceu um cartão de visitante e me disse pra voltar sempre, ah se ela soubesse - ele sorri - Sou o cliente mais fiel daqui, e finalmente vou poder levar os livros pra casa sem parecer um roubo - ele pondera.

Inclino-me sob seus ombros e sorrio ao ver o primeiro título.

- Romance adolescente, hein? - pergunto.


- Às vezes é bom acreditar em paixões arrebatadoras - ele me cita e eu reviro os olhos.

- Só às vezes - dou ombros - Qual é o outro livro?


- Poesias - ele diz como se fosse óbvio e eu balanço a cabeça.


- Nem tudo muda, afinal - eu digo.


- Não, somos feitos de todas essas pequenas partes e fases - ele pisca.


E enquanto caminhamos até o teatro, ele vai recitando um dos poemas do livro, atraindo olhares curiosos em sua direção que me fazem quase desmaiar de felicidade. Finalmente mais alguém veria o garoto que tirou meu sono e que tem pinturas que são verdadeiras extensões da sua alma. Finalmente ele se deixava ver.


No fim das contas, penso, ver alguém leva tempo, esforço e uma quantidade considerável de disposição, mas vale a pena conhecer e se deixar conhecer, vale a pena cada borboleta no estômago e pequena descoberta, porque somos caixinhas de surpresas prontas para serem abertas e vistas, verdadeiramente vistas."


FIM

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