Invisível | Parte 9

09:45

Nota: Gente, desculpa por esse capítulo enorme, eu até até tentei diminuir, mas juro, vale a pena! Se quiserem ouvir algo durante a leitura, recomendo outra do meu cantor mais amado do momento, Lose My Mind - Dean Lewis, ele praticamente cantou esse capítulo haha.
Pegadas
Alicia praticamente corre e eu não faço ideia de para onde estamos indo. Minhas perguntas são tão insistentes quanto inúteis, porque ela assume um tom misterioso e me arrasta pela mão. Na noite escura, não consigo reconhecer o caminho, que há muitos anos eu não fazia, mas as lembranças me atingem como um golpe doloroso quando paramos na frente da casa azulada.
Encaro o cercado branco, a grama recém aparada, as janelas de madeira e suspiro pesadamente.
- Josh, quais são suas melhores lembranças daqui? - ela pergunta animada.
- Alicia, eu… - começo com a voz embargada.
- Josh, suas melhores lembranças - ela insiste enérgica.
Engulo em seco - Quando a Ariana montou seu primeiro negócio, ela vendia cupcakes, até que para culinária ela levava certo jeito… Mas um garoto disse que estava ruim depois de dar a primeira mordida, acho que “com gosto de chulé” foram suas exatas palavras - sorrio - Então ela começou a esfregar glacê na cara dele e eu ri tanto que acabei levando glacê na cara também, e depois ainda tive que limpar toda a bagunça - bufo ainda sorrindo.
- Ariana era mesmo demais...- ela sorri com afeto - Mais uma, agora com a sua mãe - ela pede.
- Eu não... - tento falar.
- Pense um pouco - ela balança a cabeça e aperta a minha mão com força, seus dedos finos entrelaçando-se nos meus.
Após alguns instantes pensando, algo me vem a memória - Teve uma vez que minha mãe me perguntou se não haveria nada que eu gostasse de fazer ao ar livre, como sabe, eu não saia muito de casa, então eu disse a ela que gostaria de ver uma árvore crescer… Algo na grandeza delas sempre me fascinou. Então, ela me levou até o nosso jardim e me deu algumas sementes de laranja para plantar, e todos os dias, nós dois regávamos juntos o pé, mas nos mudamos antes dele se tornar uma árvore - suspiro.
- É isso - ela sussurra sorridente - Agora vem.
Instantes depois estamos em uma pequena praça que ficava ali bem perto, eu não a visitei muitas vezes, mas me lembrava da sua estrutura redonda, seus pequenos banquinhos de madeira e do sorveteiro que ficava logo ali na entrada.
Sentamo-nos um pouco afastados da movimentação e eu encaro as luzes penduradas a minha frente. Checo o relógio, o ponteiro marca 19h.
- Qual era o seu maior sonho quando criança? - Alicia pergunta chamando minha atenção para ela.
- Ser uma árvore - eu rio.
- E acabou sendo um pintor? - ela ri - Por que?
- Era… É incrível criar meu mundo, ou colocar o mundo sob o meu olhar - suspiro.
- Qual foi o lugar mais legal que já pintou? - ela diz interessada.
- Um jardim na Holanda- relembro - Senti que nunca havia visto tantas cores juntas… - encaro-a curioso - Por que tantas perguntas?
- Quero que se lembre quem é e quero que me conte suas histórias - ela explica me fitando com seus olhos escuros como a noite.
- Eu não sei se há muito mais a dizer - admito brincando uma folha seca que cai ao meu lado.
- Sei que há - ela toca meu rosto com as mãos geladas - Eu já te vejo com mais clareza, porque você está deixando que eu te conheça…
E assim passamos o restante da noite conversando sobre todas as coisas que Alicia julgou serem tópicos importantes, até que fomos interrompidos por uma chuva rala que começou a cair em linhas finas e douradas refletidas pela luz, mas que se intensificou assim que começamos a correr.
- Moro aqui perto - eu falo em meio à torrente de água - Quer vir?
Alicia me encara pensativa entre as gotas pesadas - Tem certeza? - pergunta.
- Sim - afirmo e ela dá sua mão para mim.
Depois de correr alguns metros, entramos em casa com as roupas encharcadas, noto que são 22h17, e eu nunca costumava ficar até tão tarde fora de casa. Ela caminha timidamente pelo corredor cinza da minha pequena residência, sigo-a silencioso.
- Vou fazer um chá pra gente - me adianto até a cozinha e ouço-a me seguindo. No meio do caminho, pego uma toalha azul pendurada na porta do banheiro e estendo para ela, que começa a secar seus cabelos curtos, e continua andando atrás de mim.
Durante o tempo em que esquento a água no cômodo a frente, ela analisa cada pequeno cantinho do lugar, parece curiosa e reflexiva, por isso fico em silêncio.
- O que foi? - pergunto depois de alguns minutos enquanto despejo o líquido fumegante sobre a xícara e mergulho o pequeno saquinho, o cheiro de erva doce inunda o ar.
- A casa de alguém diz muito sobre ela - Alicia explica - Só estou te lendo - sorri calma.
- Quer me conhecer mesmo? - pergunto e ela confirma com a cabeça, o cenho franzido.
- Então deixa eu te mostrar uma coisa - passo pela garota e entrego a ela a xícara de chá.
Ela vem logo atrás, e eu me encaminho até a quarto improvisado que eu chamo de estúdio. Assim que abro a porta, saio da frente para que ela possa ver tudo.
Alicia entra com calma, e quando seus olhos pousam sobre o local, sua boca forma um pequeno “o”.
Meu estúdio é pintado de cinza e tem quadros pendurados em todas as paredes. Na lateral ao lado da janela, repousa  meu cavalete com uma tela inacabada, do outro lado um balcão cheio de tintas, pincéis e papéis sujos. Ela caminha por entre os quadros espalhados pelo chão, parece respirar profundamente o cheiro de tinta que inunda o local. Sua mão passeia distraída pela extensão do balcão, até que ela parece se dar conta da tela que ainda está sendo finalizada. Ela caminha até algumas pinceladas que dei noites atrás e diz:
- Finalmente encontrei você, Josh - fala compenetrada, como se tivesse viajado para outro mundo num piscar de olhos.
Suspiro e me largo no banquinho logo ali ao lado.
- Alicia - eu a encaro sob os cílios - Eu estou completamente perdido - rio irônico.
- Ah, Josh - ela revira os olhos - Todos nós estamos. Ninguém sabe pra onde ir e nem o que fazer quando chegar lá - ela sorri e balança a cabeça - Todos nós achamos que vamos ser vistos por alguém ou nos encontrar em algo… Mas a verdade é que vivemos em uma multidão de pessoas, sentimentos, sonhos e… - ela respira fundo - Todo mundo é um pouco invisível no fim das contas.
Sorrio com o canto dos lábios. Ela aproxima seu rosto do meu e sinto o calor do chá que permanece em suas mãos. Seus cabelos estão grudados no rosto. Do lado de fora a chuva cai impetuosamente.
- Eu não vou dizer que você precisa se ver, ou querer se ver, porque você já sabe disso. Eu vou te pedir pra acreditar que existe algo que vale a pena ser visto, que há algo que só você pode fazer e pode ser - ela acaricia delicadamente minha bochecha gelada, seus dedos quentes pelo contato com a xícara.
- O que? - pergunto encarando suas orbes negras como a noite lá fora.
- Eu não sei - ela ri - Mas há, assim como há algo que só eu posso fazer, e eu também não sei o que é - ela afirma com certeza na voz - Pode ser a minha dança, minha curiosidade, alguma palavra guardada em mim que algum dia alguém vai precisar ouvir… - ela sorri pra mim e passeia seu dedo pelo meu rosto, fecho os olhos sentindo o seu toque - Mas há algo valioso em mim, em você, em todo mundo.
- Mas isso é tão frustrante, Alicia - eu murmuro - Porque gente nunca olha tempo o suficiente pra ver nada disso - digo abrindo os olhos lentamente.
- Exatamente! Tanta gente vai cruzar nosso caminho e vamos conhecer tão pouco delas, mas se ao menos olharmos de verdade quem está ao nosso redor, não vamos deixar ninguém ser invisível - ela pisca ávida - Não vamos deixar ninguém sumir, Josh, não mais.
Sorrimos juntos e, em um acordo silencioso, nos aproximamos lentamente e damos um beijo leve como o bater das asas de um pássaro. Me afasto um pouco e encosto minha testa na dela. Meu coração parece latejar dentro do meu peito só por tê-la tão perto.
Minutos mais tarde, uma verdade guardada há muito tempo me atinge - Preciso ver minha mãe - sussurro.
Alicia se sobressalta levemente, mas concorda.

- Então vamos - diz simplesmente.

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