Invisível | Parte 8

04:30

Nota: GENTE EU SÓ QUERIA INDICAR ESSA MÚSICA, e finalmente chegamos ao capítulo dela: Waves do Dean Lewis. Lê aí e me conta o que achou? 


Sentença
- Josh, você pode pegar aquela caneta para mim? - Ariana parecia mais debilitada a cada dia, e me arrancava os pedaços vê-la daquela maneira, mas eu nunca saia do seu lado. Enquanto sua insuficiência cardíaca prematura estava piorando, as chances de um transplante estavam diminuindo.
- Claro - eu me levanto e agarro a caneta em cima da mesinha branca cheia de flores, Ariana amava margaridas, e ao menos, ela davam certa cor àquele ambiente branco e frio.
- Josh, eu preciso que você encontre alguém - ela diz com a voz fraca - Tá? - seus olhos cheios de expectativa.
- Quer que eu traga alguém aqui? - questiono confuso me aproximando de sua cama.
- Não… Não, você vai encontrá-la depois, e vai dizer que eu sempre serei grata e ela - ela tosse um pouco.
- De quem você está falando, Ariana? - eu pergunto acariciando levemente seus cabelos loiros.
- Eu vou te contar tudo, mas primeiro, promete que vai encontrá-la - ela pede.
- Eu prometo - afirmo com a cabeça e agarro o pequeno pedaço de papel que ela me estendia. Ariana sorri fracamente.
Minha irmã morreu naquela tarde e aquele papel ficou esquecido por anos.
E no fim das contas, por ironia do destino, eu não encontraria ninguém, mas seria encontrado.
- Hei, Josh, no que está pensando? - Alicia me chama de volta a realidade.
- Hmmm - eu balanço a cabeça levemente - Em nada.
Estávamos sentados ainda sobre o palco de madeira, nossos pés balançavam na beira da plataforma. Já era noite e as luzes amarelas lançavam sombras sobre nós e os hambúrgueres que ela tinha comprado após o fim do ensaio.
- Como você compra as coisas? - ela pergunta curiosa.
- Eu peço e pago pela internet, deixo sempre a observação de deixarem tudo na porta de casa ou nos correios - explico - Ninguém nunca insistiu para entrar, provavelmente acham que sou algum tipo de lunático antissocial - dou ombros.
Ela ri um pouco - Bem, eu não posso julgá-los.
- Eu certamente não faço isso - sorrio de volta - Mas sinto falta de dar gorjetas ou dizer meu nome nas lojas de café - digo taciturno.
- Eu imagino que sim… Eu sei que nunca conseguiria ficar tanto tempo ser ver ou falar com alguém- ela afirma pensativa.
- Eu sempre fui muito quieto, nunca tive a necessidade falar muito, mas ainda assim, há dias em que o silêncio é esmagador - confidencio.
- Nós vamos dar um jeito nisso, Josh - ela me consola - Eu tenho certeza que sim.
Eu sorrio diante da sua esperança.
- Josh - ela sussurra - Minha curiosidade chegou ao limite - ela sorri envergonhada e revira de leve os olhos negros.
- A resposta - eu adivinho.
- Isso - ela se aproxima um pouco de mim e deixa de lado seu refrigerante - O que você queria me dizer?
Suspiro. Então aquele era o momento de contar? Eu não me sentia pronto, mas pra ser sincero comigo mesmo, sei que nunca estaria, então...
- Eu tive uma irmã - começo a dizer, minha voz assumindo um tom distante dali - Ela morreu três anos atrás com problemas cardíacos. Ela vivia inventando, criando e empreendendo. A cada semana, tínhamos uma nova invenção dela. Barracas de limonada, salão de beleza, doces caseiros, sua própria marca de roupas - sorrio com as lembranças que invadem minha mente - E há 11 anos, ela abriu também sua própria escola de dança - eu encaro Alicia com o canto do olhar, ela parece focada - Foi lá em casa mesmo, na nossa garagem, e reuniu algumas garotas da vizinhança.
Ouço Alicia prender a respiração e apenas continuo.
- É claro que aquilo não deu muito certo, Ariana não tinha o menor talento para dança, e a maioria das alunas não voltou depois da primeira aula, mas a verdade é que não foi preciso - paro um pouco para fitá-la e vejo que Alicia tem as mãos delicadas sobre a boca, seus olhos arregalados.
- Eu vi você do meu quarto, toda animada - sorrio - Era a mais nova de todas e usava legging cor de rosa. Eu fiquei observando todas vocês e aquela maluquice que Ariana chamou de aula, mas por alguma razão, você foi quem mais chamou minha atenção, talvez porque fosse da minha idade e eu não tinha muito contato com crianças naquela época... De toda forma, fico feliz por ter te notado, porque naquele dia, você foi pra casa e contou ao seu pai que ouviu gritos no quarto da minha mãe, e que Ariana tinha diversos roxos espalhados pelo corpo… - engulo em seco e ouço Alicia soluçar - Imagino que aquilo a tenha deixado curiosa, e quando sua família foi até a polícia, meu pai foi preso e nunca mais nos machucou, pelo menos não fisicamente - Crio coragem para olhá-la. As lágrimas correm em seu rosto e ela parece paralisada.
- Ariana ficou doente anos depois e minha mãe nunca parou de se culpar - abaixo a cabeça - Vivemos um tempo tranquilo antes disso, mas assim que descobrimos, ficou insuportável estar naquela casa, mesmo com Ariana tentando levar uma vida normal. E depois que ela se foi, eu fui junto. Mas um dia, ela me pediu… pra encontrar você - suspiro - E eu não ia fazer isso, até porque, eu não poderia e não tinha forças para tal, mas você apareceu, e eu não te reconheci de primeira, mesmo que alguma parte de mim o tenha feito, porque eu não tirei mais você da cabeça… Mas um dia, enquanto pintava você, eu percebi… E me lembrei que Ariana havia me dado um papel com o seu nome e endereço, revirei a casa inteira até encontrá-lo, e fiz um compromisso comigo mesmo naquele dia, você tinha que me ver e me ouvir dizer obrigado, obrigado por nos salvar - eu levanto meus olhos em sua direção.
Alicia parece permanentemente sem falar. Ela me encara com a expressão vazia e o rosto manchado de lágrimas.
- Seria muito bom se dissesse alguma coisa - eu surrurro.
- Josh… - sua voz é rouca - Meu pai só me contou o que de fato aconteceu anos depois, e eu até procurei vocês, mas a casa estava vazia…
- Nos mudamos depois que meu pai foi preso - explico de modo prático.
- Mas eu nunca soube o que aconteceu com a Ariana, eu… eu sinto tanto - ela soluça mais uma vez.
- Tudo bem - eu digo gentilmente - Você deu a ela alguns anos de paz e eu sempre serei grato por isso - sorrio confortando-a.
Seus próximos movimentam me assustam tanto quanto me entorpecem. Alicia joga seus braços ao meu redor, me surpreendendo com um abraço gentil. Seu cheiro me envolve como se eu entrasse em uma floricultura colorida. Sinto seu queixo roçar em meu ombro e a ouço dizer - Eu nunca soube que havia outra criança naquela casa… - ela diz se afastando cedo demais.
- De certa forma, eu sempre fui meio invisível - sorrio timidamente.
- Não mais - ela solta um longo suspiro, como se não pudesse mais guardá-lo, e seu nariz roça suavemente no meu, me arrepio com a nossa proximidade, fagulhas se espalham desde o meu coração até a palma das minhas mãos. Segundos, instantes, dias ou eras depois, ela se aproxima o bastante para que nossos lábios se toquem.
Seus lábios são macios, bem como suas mãos que continuam presas ao redor do meu pescoço. Sinto seu cabelo, sua respiração, sua pele macia… Sinto ela. E sinto a mim mesmo também. O frio que se dissipa no estômago e as batidas aceleradas do meu coração. É algo doce, rápido, suave e contido, mas que deixa milhares de sentimentos e sensações pungentes em mim, mesmo quando ela se afasta milimetricamente.
Nossas respirações se misturam em um suspiro caloroso e surpreso, ambos permanecemos calados em mais um silêncio que diz muitas coisas, até que ela se sobressalta e arregala os olhos.
- Eu tenho um plano - diz com olhos ávidos e brilhantes - Vem - Alicia se levanta e me puxa pela mão.

Caminhamos até o lado de fora do teatro, e quando me deparo com as luzes da cidade que nos esperam do lado de fora, todo o mundo parece mudado.

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